segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O Apolíneo e o Dionisíaco em Nietzsche

Nietzsche buscou dos gregos dois deuses para criar dois conceitos: o Apolíneo, que seria a ordem, a medida, o belo, a aparência, e Dionisíaco que consistiria na desmedida, no caos, na integração com o que há de mais natural, mais primitivo e arrebatador no homem, o universo como um “monstro” de forças.
Sobre o que ocorria nos tempos da arte trágica grega, Nietzsche escreve:
Estes dois instintos impulsivos andam lado a lado e na maior parte do tempo em guerra aberta, mutuamente se desafiando e excitando para darem origem a criações novas, cada vez mais robustas. (NIETZSCHE, 1996, p.19)
A tragédia grega seria essa união entre o Apolíneo e o Dionisíaco, seria a arte superior por excelência, já que ao contrário do que ocorre nas artes plásticas, também chamadas Apolíneas, e a arte sem formas, a música, ou dita Dionisíaca, a tragédia Ática “abraça” os dois elementos, possui dentro dela os dois mundos. “A evolução progressiva da arte resulta do duplo caráter de “espírito Apolíneo” e no “espírito Dionisíaco”, tal como a dualidade dos sexos gera a vida no meio de lutas que são perpetuas e por aproximações que são periódicas” (NIETZSCHE, 1996, p.18) Utilizando metáforas como essas, ele prossegue.
Imaginemos desde já, para mais bem os compreendermos estes instintos como mundos diferentes do “sonho” e da “embriaguez”, fenômenos fisiológicos entre os quais é possível notar que um contraste analógico ao que distingue o espírito Apolíneo do espírito Dionisíaco. (NIETZSCHE, 1996, p.20)
Ao estado Apolíneo, criador de formas, da aparência, do belo, se contrapõe o Dionisíaco, como fim de toda individuação, como um estado de êxtase onde o homem se encontra com a natureza, se identifica com ela.
Como para Nietzsche não é mais possível procurar o ideal de um conhecimento verdadeiro como fizeram os filósofos antigos e medievais, é necessário agora encontrar, ou melhor, reencontrar a vida, desmascarar, tirar os véus que encobrem a humanidade há dois mil anos, os véus da religião. Nietzsche encontra na tragédia, com seus dois elementos, Apolo e Dionísio, a representação da vida, da aceitação da vida em sua totalidade. Nietzsche escreve sobre o conceito de trágico da seguinte forma:
A afirmação da vida, também nos seus mais estranhos, mais árduos problemas, a vontade de viver fruindo o sacrifício dos mais altos tipos produzidos pela sua inexauribilidade. (NIETZSCHE, 2002, p.78)
Mas para Nietzsche o “objetivo” da tragédia não era o de libertar-se do temor e da piedade, nem purificar-se de uma paixão perigosa – como queria Aristóteles – mas sim o de ter a alegria do Porvir, a alegria do criar e também do destruir. Seria isso, para Nietzsche, o contrario de um pessimismo. “Nesse sentido, tenho o direito de considera-me o primeiro filósofo trágico, isto é, a perfeita antítese de um filósofo pessimista”. (NIETZSCHE, 2002, p.79).
Nietzsche considera essa sua percepção do trágico, de seu significado ao ser transferido do campo artístico para a vida, o diferencial em relação aos outros filósofos.
Antes de mim, esta passagem da emoção Dionisíaca a emoção filosofa não existia: faltava a sapiência trágica. Dela procurei em vão os mínimos traços, mesmo entre os grandes filósofos gregos, os dois séculos anteriores a Sócrates. (Nietzsche, 2002, p. 79)
O estado Dionisíaco e para Nietzsche em excedente de vida, uma exuberância, um querer - mais inesgotável. Por isso ele encontra na arte a salvação, por ela conseguir enxergar através do sonho, da aparência Apolínea, a sabedoria Dionisíaca, a afirmação da vida em todas as suas possibilidades.
Eu anuncio o advento de uma era trágica: a arte mais sublime na afirmação da vida, a tragédia, renascera quando a humanidade, sem sofrimento, terá atrás de si a consciência de ter sustentado as guerras mais rudes e mais necessárias. (Nietzsche, 2002, p.80)
Os gregos teriam criado os deuses olímpicos para tornar a vida mais desejável, já que por serem mais sensíveis ao sofrimento e por possuírem uma incrível sensibilidade artística, existia o perigo de caírem, num profundo pessimismo, numa negação da própria existência. Mostrando a relação intensa entre o Apolíneo e o Dionisíaco na tragédia. Nietzsche mostra que o surgimento da arte Apolínea seria como um antídoto contra o pessimismo, a negação da vida.
A arte Apolínea e a arte da beleza, e se os deuses gregos não se caracterizam por serem necessariamente bons, eles eram belos. Beleza para os gregos também tinha o significado de calma, serenidade e liberdade com relação as emoções.
Antes de se chegar a um estado Dionisíaco, o grego, contra a dor e o sofrimento diviniza o mundo criando a beleza. Portanto, beleza é para o grego, aparência. Para Nietzsche, o grego criou o mundo da beleza para ao invés de mostrar a verdade mascarar, encobrir a essência do mundo.
Não é pelo belo que as coisas belas são belas. Quando se diz que algo é belo apenas se diz que tem uma bela aparência, sem nada se enunciar sobre sua essência. Mascarando a essência, à vontade, a verdadeira realidade, a beleza é uma intensificação das forças da vida que aumenta o prazer de existir. (Machado, 1997, p.78)
Enquanto que a arte tem sua “verdade” ligada inevitavelmente á beleza, que é uma ilusão, por ser aparência, a metafísica não é capaz de expressar o mundo na sua integralidade, em sua tragicidade, pois nela há a prevalência da verdade sobre a ilusão. Também a ciência não é capaz de expressar o mundo, pois acredita que o pensamento lógico pode chegar a conhecer p ser o mais profundamente possível através da causalidade. Nietzsche afirma ser a experiência trágica a única capaz de justificar e até afirmar o mundo como ele é até mesmo “o pior dos mundos”. Seria o “amor fati”, amor ao destino, afirmar o necessário, aceitar e até amaro que não pode ser mudado. Esta é uma idéia que permaneceu em todo o pensamento Niestzschiano: que a arte é superior a ciência por ser capaz de proporcionar uma experiência Dionisíaca. Ao atacar diretamente a idéia de que atrás de um mundo “aparente” existe um mundo “verdadeiro”, Nietzsche declara:
Criar uma fábula de um mundo “diverso” Desse não tem sentido algum se pressupusermos que um instinto de calúnia, de amesquinhamento, de suspeição da vida não exerce poder sobre nós.Neste ultimo caso, nos vingamos da vida com a fantasmagoria de uma “outra” vida, de uma vida “melhor” (Nietzsche, 1999, p.52)
Apenas o “artista trágico”, com sua capacidade de afirmar o mundo, este mundo, o terreno, em todos os seus aspectos, consegue fugir desse pessimismo, dessa renuncia a vida verdadeira, a terrana, em nome de uma vida no alem, que não existe. Esse “artista trágico”, Dionisíaco, não teme a vida, não teme o sofrimento, sabe que a dor faz parte da existência, esta além do bem e do mal, diz sim a vida e ao mundo dito “aparente”, mas que para ele é o “verdadeiro” mundo, pois é o único existente.

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